A Bolsa Amarela

A bolsa por fora:
  Era amarela. Achei isso genial: pra mim amarelo é a cor mais bonita que existe. Mas não era um amarelo sempre igual: Às vezes era forte, mas depois ficava fraco; não sei se porque ele já tinha desbotado um pouco, ou porque já nasceu assim mesmo, resolvendo que ser sempre igual é muito chato.
  Ela era grande; tinha até mais tamanho de sacola do que de bolsa.   Mas vai ver ela era que nem eu: achava que ser pequena não dá pé.
  A bolsa não era sozinha: tinha uma alça também. Foi só pendurar a alça no ombro que a bolsa arrastou no chão. Eu então dei um nó bem no meio da alça. Resolveu o problema. E ficou com mais bossa também.
  Não sei o nome da fazenda que fez a bolsa amarela. Mas era uma fazenda grossa, e se a gente passava a mão arranhava um pouco.   Olhei bem de perto e vi os fios da fazenda passando um por cima do outro; mas direitinho; sem fazer bagunça nem nada. Achei legal. Mas o que eu ainda achei mais legal foi ver que a fazenda esticava: "vai dar pra guardar um bocado de coisa aí dentro".

  A bolsa por dentro:
  Abri devagarinho. Com um medo danado de ser tudo vazio. Espiei.   Nem acreditei. Espiei melhor.
  Mas que curtição! - berrei. E ainda bem que só berrei pensando: ninguém escutou nem olhou.
  A bolsa tinha sete filhos! (Eu sempre achei que bolso de bolsa é filho da bolsa.) E os sete moravam assim:
  Em cima, um grandão de cada lado, os dois com zipe; abri-fechei, abri-fechei, abri-fechei, os dois funcionando bem que só vendo.
  Logo embaixo tinha mais dois bolsos menores, que fechavam com botão. Num dos lados tinha um outro - tão magro e tão comprido que eu fiquei pensando o que é que eu podia guardar ali dentro (um guarda-chuva? um martelo? um cabide em pé?). No outro lado tinha um bolso pequeno, feito de fazenda franzidinha, que esticou todo quando eu botei a mão dentro dele; botei as duas mãos: esticou ainda mais; era um bolso com mania de sanfona, como eu ia dar coisa pra ele guardar! E por último tinha um bem pequeninnho, que eu logo achei que era o bebê da bolsa.
  Comecei a pensar em tudo que eu ia esconder na bolsa amarela.
  Puxa vida, tava até parecendo o quintal da minha casa, com tanto esconderijo bom, que fecha, que estica, que é pequeno, que é grande. E tinha uma vantagem: a bolsa eu podia levar sempre a tiracolo, o quintal não. 

  O fecho:
  A bolsa amarela não tinha fecho. Já pensou? Resolvi que naquele dia mesmo eu ia arranjar um fecho pra ela.
  Peguei um dinheiro que eu vinha economizando e fui numa casa que conserta e reforma bolsas. Falei que queria um fecho e o vendedor me mostrou um, dizendo que era o melhor que ele tinha. Custava muito caro, meu dinheiro não dava.
  - E aquele? - apontei. Era um fecho meio pobre, mas brilhando que só vendo.
  O homem fez cara de pouco caso, disse que não era bom. Experimentei.
  - Mas ele abre e fecha tão bem.
  O homem disse que o fecho era muito barato: ia enguiçar. Vibrei!   Era isso mesmo que eu tava querendo: um fecho com vontade de enguiçar.
  Pedi pro vendedor atender outro freguês enquanto eu pensava um pouco. Virei pro fecho epassei uma cantada nele:
  - Escuta aqui fecho, eu quero guardar umas coisas bem guardadas aqui dentro dessa bolsa. Mas você sabe como é que é, não é?   Às vezes vão abrindo a bolsa da gente assim sem mais nem menos; se isso acontecer você precisa enguiçar, viu? Você enguiça quando eu pensar "enguiça!", enguiça?
  O fecho ficou olhando pra minha cara. Não disse que sim nem que não. Eu vi que ele tava querendo uma coisa em troca.
  - Olha, eu já vi que você tem mania de brilhar. Se você enguiçar na hora que precisa, eu prometo viver polindo você pra te deixar com essa pinta de espelho. Certo?
  O fecho falou um tlique bem baixinho com todo o jeito de "certo".
  Chamei o vendedor e pedi pra ele botar o fecho na bolsa.

  Cheguei em casa e arrumei tudo que eu queria na bolsa amarela.   Peguei os nomes que eu vinha juntando e botei no bolso sanfona.  O bolso comprido eu deixei vazio, esperando uma coisa bem magra pra esconder lá dentro. No bolso bebê eu guardei um alfinete de fralda que eu tinha achado na rua, e no bolso de botão escondi uns retratos do quintal da minha casa, uns desenhos que eu tinha feito, e umas coisas que eu andava pensando. Abri um zipe; escondi fundo minha vontade de crescer; fechei. Abri outro zipe; escondi mais fundo minha vontade de escrever; fechei.
  No outro bolso de botão espremi a vontade de ter nascido garoto (ela andava muito grande, foi um custo pro botão fechar).
  Pronto! a arrumação tinha ficado legal. Minhas vontades tavam presas na bolsa amarela, ninguém mais ia ver a cara delas.




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