“Por outro lado Museu é filho de Orfeu. Orfeu cujo mito é o
mais complexo e extenso que há na Grécia: Orfeu fundamentalmente foi poeta,
aliás o protótipo do poeta. Com sua lira encantada, amansava os animais, desceu
ao inferno (em grego: a parte inferior) para resgatar Eurídice, sua amada, e
comoveu Prosérpina, a deusa do inferno, ao ponto de deixar Eurídice sair. Só
que Orfeu, não resistindo à curiosidade e
contra o aviso de Prosérpina, olhou para trás e assim transformou
Eurídice numa estátua de sal.
No fim da vida Orfeu foi esfacelado pelas Eríneas e seu
corpo espalhado através de um sopro, pelo mundo, nas coisas.
Entramos aqui em outra modalidade da identidade e ação do
Museu: Museu recompilou as obras do pai. Isto é, museu repropõe a ação
civilizadora deOrfeu (a lira que amansa os animais) que depois com sua
civilidade e olhar curioso e destacante, retira seu amor (Eurídice), da região
dos mortos, da inferioridade, transformando-a a seguir numa congelante
(estátua), em objeto símbolo da inteligência (sal).
Finalmente, Museu recompila, reordena, recupera, o
espalhamento da poesia nas coisas, isto é, a matriz da ação (poiéo-fazer) em
cada coisa ou ainda o que determina o modo de ação de cada coisa no mundo!
É isto, entre outras coisa, que o Museu nos diz que é.
(...)
O Museu personificado, filho de Orfeu foi poeta como o pai,
tendo assim o poder de agir, de fazer. O poder de ver a poesia das coisas (ou
como as coisas se relacionam no mundo poeticamente) e de resgatá-las em sua
plenitude, seja recolhendo-as, seja reordenando o seu sentido poético.
O Museu de que falamos não é o lugar, o templo das musas que
gerou a conceituação de museu-depósito de coisas. O Museu de que falamos pensa
no sentido das coisas no mundo e na vida e (re)elabora constantemente a sua
“missão poética””
Marília Xavier Cury.
Exposição: concepção, montagem e avaliação
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